sexta-feira, 6 de abril de 2012
NOSSA DICA DE LEITURA PARA A 2ª SEMANA DE ABRIL
Publicado em 1937, o romance de Amado sofreu represálias por parte do poder instituído, que se estendia desde autoridades locais, coronelismo até o “estado novo” varguista.
A narrativa envolve Pedro Bala, líder dos “capitães”, filho de um grevista morto pela polícia, com um tiro. Em torno dele, outros meninos, como Sem-Pernas, João Grande, Professor, Gato, Querido-de-Deus e Pirulito, dentre outros.
Cometendo furtos e vivendo como gente grande, no areal de Salvador, os meninos, por volta de quatorze ou quinze anos, são mostrados como vítimas da sociedade capitalista. Vale lembrar que o livro sai em 1937, auge do varguismo. Os adultos respeitados pelo grupo são apenas dois : padre José e Aninha, mãe de santo. Uma cena emblemática, é o momento em que Professor (João José) toma o capote de um homem que se ofendera com seu desenho, tendo inclusive apanhado deste homem. O capote torna a figura do adulto um estrangeiro, alguém fora do ambiente quente de Salvador. Com a indumentária mal apanhada no corpo, Professor se mostra meio menino, meio adulto.
Os policiais também fazem parte dos sonhos de ódio dos capitães. Até a família singela, que adota Sem-Pernas, padece, vítima do assalto dos meninos, pois eram ricos. Professor chega a ser reconhecido, na rua, como um futuro desenhista de sucesso, mas não consegue acreditar na proposta de um homem bem vestido que lhe dá um cartão. O menino prefere ficar com a piteira que recebera, deixando o cartão pela sarjeta.
Marcando época, está a varíola, que acaba vitimando ricos e pobres. Boa-Vida, um dos capitães, é acometido pela “bexiga”, mas fica saudável.
Com a chegada de Dora ao trapiche, percebe-se um rito de passagem para todo o grupo. Seus pais haviam morrido de “alastrim”, a varíola. Protegida pelo bando, torna-se uma mescla de menina e menino, ágil, companheira, vestida de homem, no início de sua aparição na história. Presos, Dora vai a um orfanato e Pedro ao reformatório. Torturado, não revela a morada dos outros capitães. Com ajuda dos demais que ficaram fora, consegue fugir, mesmo enfraquecido por passar oito dias em uma cafua, espécie de solitária. Dora é retirada do orfanato pelo bando, muito doente. Ela e Pedro se amam no trapiche e, em seguida, ela morre. Impossível não lembrar Romeu e Julieta, muito menos esquecer Iracema, enterrada na praia, deixando seu amado Martim com sua memória. Dora é levada mar adentro, oferecida a Iemanjá. Sem-Pernas também passa por uma espécie de rito de crescimento, quando se vê seduzido pela quarentona que o acolhe, envolvida no mesmo plano de outrora, entrar e abrir caminho para os demais roubarem.
Logo em seguida, os capitães irão se dispersar. Gato vai para Ilhéus, Professor parte para o Rio de Janeiro (capital do país), Pirulito torna-se frade, padre José vai ao interior, em nova paróquia, Volta Seca entra para o bando de Lampião, João Grande vira marinheiro, Sem-Pernas suicida-se e Querido-de-Deus segue sua vida de capoerista. Pedro Bala deixa o trapiche, torna-se líder comunista, após se envolver com os doqueiros. Fim.
O livro revela a diferença de classe e a violência contra os mais pobres, vitimados pelo que se acostumou a ler como “os ricos”. De caráter panfletário e feito em forma de uma sequência de episódios, “Capitães da areia” se esforça para expor a vida de meninos abandonados em um caráter quase documental, uma vez que as notícias publicadas antes do primeiro capítulo, dariam verossimilhança à narrativa, numa uma necessidade de fazer da obra uma arma contra a miséria.
Lima Barreto já se enveredara pelo caminho das diferenças sociais, assim como Aluísio Azevedo. Contudo, a linguagem do texto de Amado é mais simples e as imagens diretas. Há pouca profundidade psicológica, quando o foco não é Pedro Bala. Uma cena estapafúrdia se dá quando Sem-Pernas, menino de, no máximo quatorze anos, sai do cinema e vai a uma sorveteria, com sua então família de pessoas ricas mas que nem desconfiam de seu passado ou intenções. Pois quando ao menino é oferecido sorvete, o narrador revela seu pensamento: queria uma cervejinha. Enfim, prevalece a caricatura, mesmo na exposição das angústias, por exemplo, de Sem Pernas ou Professor. Há quem diga que lhes falta carinho de mãe, daí todos buscassem algo a substituir, como Dalva (Gato), padre (Pirulito), famílias (Sem pernas) e por aí vai. Mais de uma vez, o narrador explica o óbvio, dizendo ao leitor que Dora é “mãe, irmã e noiva” de Pedro. Haja paciência. De fato, as carências são bem claras, mas não aprofundadas. Existe um tanto de determinismo na construção das figuras, rodeadas pelas docas sujas, bares com homens jogando baralho, bebedeira, putas, soldados cheios de ódio e a imensidão do mar. O bando de Ezequiel é consequência clara do ambiente sem regras e miserável... assim como a ideia de um reformatório pior que uma prisão.
Os “capitães” são mesmo equivalentes à origem do termo : “caput”, em latim, “cabeça”, ou seja, capazes, racionais, capitais. Não são adultos tampouco crianças; são da areia: nem mar, nem terra.
Dora, um símbolo, é anagrama de “roda” e também “a dor”...
Enfim, a chance do debate sobre a miséria e o valor da confiança e união seriam o lado positivo de mais um romance socialista de Jorge Amado.
[i][b]Por Carlos Henrique Carneiro.
A Leitura Muda o País ! Nosso blog também é literatura.
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